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piruá

Pauta, realização e edição: Ju Kopp e Karol Cardoso.

Codinome Piruá, Emílio  (sobrenome), artista por vocação e, em breve, formação, tem seu sustento impresso no papel. Caneta BIC, lápis de cor, nanquim e canetinha encantam aqueles que compram nas ruas de Minas ou na tela de computador do Oriente Médio. 

Olhe Udi!: Bom, Emílio, te conhecemos como Piruá e de cara já gostaríamos de saber: de onde veio a escolha do nome artístico?

Piruá: Foi um nome que eu mesmo dei. Emílio foi a minha mãe que escolheu e eu gosto muito. Por isso, quis fazer um nome que tivesse relação com o milho mesmo, o milho. E aí criei o Piruá, que é aquele grãozinho que não estoura, sabe? Aquele que sobra na panela de pipoca. Isso eu vejo como a ideia de resistência que tem em mim. Mesmo no óleo quente, o grãozinho resiste.

OU!: Que demais! A gente não sabia, muito legal. Você falou da sua mãe; você foi criado com ela?

P: Fui. Minha mãe que me educou. Meu pai também, mas eu morei com a minha mãe na infância, adolescência... e eles sempre incentivaram esse rolê da arte.

OU!: Então a arte vem pra você desde pequeno?

P:Sim. O que rolava era: em casa eu desenhava, na escola eu desenhava... Em todo lugar eu desenhava. Ela, minha mãe, percebeu isso e nunca colocou nenhuma barreira. Quando foi a época de vestibular eu falei pra ela que iria fazer Artes e ela já até imaginava. Foi tranquilo, me incentivou.

 

OU!: E foi o que você seguiu? Aqui na UFU?

P: Isso. Tô no último semestre de Artes aqui na UFU.

OU!: Sobre sua arte, você vende aqui na UFU e onde, lá fora?

P: Vendo também no bares do Santa Mônica e no Centro. Na UFU, eu faço mais um trabalho de divulgação, porque aqui a galera não costuma comprar. Eu sou estudante e entendo mesmo a situação. Mas nos bares, por exemplo, o pessoal costuma estar mais disposto a gastar com coisas diferentes. Além disso tudo eu também vendo pela Internet.

OU!: Em que formato a sua arte é vendida?

Eu comecei fazendo encomendas de retratos. Mas eu tinha meus desenhos, que começaram a acumular... eu não tinha mais o que fazer com aquilo. Foi aí que comecei a vender. Mas esse trampo eu tenho que de alguma forma expor para as pessoas conhecerem, porque não é o tipo de coisa que as pessoas procuram. O cliente normalmente procura por desenhos para tatuagem, interiores de casas... então eu comecei a ir no embalo de um amigo meu, o Clayton, que expunha os trabalhos dele em forma de mural. Minha outra amiga, a Bárbara, também fazia, em varal. E aí comecei a fazer nesse formato pra expor. Pra vender mais fácil, eu adaptei os tamanhos da arte e cópias, as prints. Assim, as prints são bem mais baratas do que o desenho original e assim posso vender mais vezes o mesmo desenho. Já vendi quase o dobro do valor do desenho original, em cópias. Depois, eu vi que as prints não estavam sendo tão boas porque os clientes precisavam de moldura, ou não sabiam onde colocar. Hoje eu vendo as prints tamanho A5, que é metade da folha A4 comum e também vendo meus ímãs, em formato A7. Esse é o mais fácil de vender, porque é um utilitário, além de ser menorzinho.

OU!: Você consegue viver do que você vende?

P: Consigo, fiz isso o mês passado inteiro. Mas a renda total é um acúmulo de coisas que eu faço. Como artista, eu faço os desenhos autorais, os trampos por encomenda, que são completamente diferentes e também tem o lance do UpWork, que é um site que os clientes colocam uma demanda de ilustrações, por exemplo, e aí os artistas procuram essas coisas pra poder vender. Então com o site eu acabo vendendo trabalhos pra fora. Já vendi pros EUA, Canadá e Oriente Médio. Ah, também tenho a música. Tenho uma bandinha que chama “Banda Sem Título”, de músicas autorais e participo de outra também, a “Transviadas”, que fazem cover de Secos e Molhados, Mutantes...

OU!: Onde vocês se apresentam?

P: Normalmente nos bares mesmo. Inclusive, a Transviadas vai tocas dia 1 de Maio, lá em Araguari.

OU!: Quanto aos desenhos, como você define os seus traços?

P: É mais um lance impressionista. Não é hiper-realista. Os traços tem a ver com como eu vejo a cena e como eu passo ela pro papel, o que são filtros. Na verdade, não tem muita preocupação com a perfeição, é sem muito compromisso com a realidade, inclusive. E daí faço de várias formas: posso fazer a partir de alguma foto, alterando ou não algumas cenas; olhando para o objeto e alguns de cabeça, desenhando livremente em cima do papel em branco. Mas no geral  eu uso técnicas mistas.

OU!: Como é, pra você, desenhar e aprender toda a anatomia? É muito difícil?

P: A questão do corpo, pra mim, é uma parte extremamente importante porque a minha arte dialoga muito com o corpo. Fui aprendendo quando comecei a desenhar pessoas posando, seja em rodoviária, lanchonete, filas... ou como modelo vivo mesmo. E o curso de Artes oferece também os modelos. Por um tempo eu até fui um dos modelos vivos. Enfim, sem isso, talvez meu trabalho fosse diferente e pra entender bem a questão do corpo, não tem jeito, é estudar e praticar.

OU!: Como é pra você apresentar a arte pras pessoas?

P: Ah, eu sempre tento oferecer a minha arte para as pessoas como se realmente fosse algo que acrescentaria de uma forma que nenhuma outra faria. Isso porque, apesar de existirem infinitos ilustradores no mundo, o que eu faço, só eu faço. Então eu trago essa singularidade pra pessoa ver o que eu vejo. Através disso eu me relaciono com as pessoas: produzindo, trabalhando junto, vendendo... a arte permite que as pessoas se relacionem mostrando suas perspectivas de mundo.
Existem maneiras violentas e evasivas de as pessoas se relacionarem com o mundo. Mas a arte vem como uma forma leve. Leve a respeito da conexão com o outro, mas ela também tem o peso dos olhares das realidades.

OU!: Você tem alguma referência ou inspiração na arte?

P: Sim. Logo no começo na faculdade eu me interessei pelo trabalho de Toulouse-Lautrec, que fazia uma arte muito bem feita e expressiva. Tem também o Hans Bellmer, que fazia algumas bonecas um pouco macabras e desenhos eróticos. Mas isso foi no começo do curso, quando eu tive contato com a História da Arte, mais focada na europeia. Com o tempo, esse legado começou a não dialogar mais comigo, porque sou do Brasil! Hoje, cito como referência, os meus amigos mesmo. O Matheus, o Clayton, Larissa, Renan, Bárbara... são referências porque eles fazem a arte acontecer e, como fazem, me incentivam também. Vejo bastante deles nos meus trampos porque eles fazem parte da minha história.

OU!: Quando você vai pra rua pra vender, quais os maiores problemas que você vê?

P: São dois. O primeiro é a polícia e a guarda. É um problema porque, depois de fazer o trabalho, você tem que levantar, arrumar tudo, ir pra rua e ainda vender. E aí, depois de chegar em algum lugar, você ainda ter conflito com eles, é um problema. É desanimador. O segundo problema é em relação ao conteúdo do meu trabalho, que é erótico, mesmo que não seja explícito. E a problemática disso é não conseguir desvincular a minha imagem, de quem eu sou, do meu trabalho, porque as pessoas veem e às vezes interpretam errado. O trampo erótico não diz respeito a mim. Claro que tem muito de mim na minha arte, mas o desenho não sou eu. Minha percepção do erotismo é o fato de existir um muro e as pessoas terem vontade de ver além do muro. Se erguer ou pular pra ver o muro é uma ação de transgressão, erótica. É isso que eu faço, eu tiro o trabalho da gaveta e levo pra rua porque faço parte dela e porque ali, mesmo que seja um lugar cheio de regras e delimitações, ainda é um lugar onde as pessoas que estão nela têm a curiosidade, mesmo que não seja dito. Isso é resistência e transgressão.

OU!: Então a rua pra você, diferente de muitos artistas urbanos, não significa tanto assim a liberdade, não é? O que é a rua, pra você que vive dela?

P: A libertação vem a todo momento. A gente sempre tem que estar atento às questões que nos acorrentam. Mas a rua, pra mim, é mais um sinônimo de enfrentamento. Porque é um lugar que eu sei que é meu também, mas ainda assim eu tenho que lutar para estar lá. Claro que é um aprendizado também, porque eu posso estar em contato com o público diretamente, o que faz com que eu entenda meu trabalho de uma forma que eu não entenderia se não mostrasse pra ninguém. Na rua, tem gente que discorda. E é nesse momento que a gente encontra os pontos que antes não víamos.

OU!: Eu vejo muito como um ato político, você também enxerga isso?

P: Com certeza. Pra mim, é um ato político. Inclusive, é uma das coisas mais fortes, politicamente, que eu faço, todo o resto é supérfluo como ir no mercado, ir no bar... Tem ato político em todas as mínimas questões, mas fazer arte e me relacionar com as pessoas por meio dela são os atos políticos que eu considero mais fortes.

OU!: Dentro do meio artístico você encontrou resistência?

P: Já. Eu tenho um problema com estereótipo. Quem mais faria o que eu faço? Só eu, um homem, branco, etc. Tenho todos esses privilégios, todas essas coisas e é aí que tá um ponto importante: entender esses privilégios e entender que esse potencial pode ser aproveitado de uma forma sem desrespeitar o outro. Eu chegar ao ponto de fazer uma arte erótica sendo quem eu sou é muito diferente de uma mulher fazer isso, da mesma forma que eu faço. Dentro do meu círculo, talvez esse seja o maior ponto de conflito: eu posso fazer esse trampo sem ser tão penalizado quanto as minhas amigas artistas. Não que elas não gostem, elas adoram meu trabalho por que elas sabem exatamente que eu reconheço esses privilégios que eu tenho, eu reconheço que eu tenho que cuidar da minha própria vida, seguir em frente, mas elas também entendem que isso é uma contradição porque eu tenho esse privilégio, uso ele de forma respeitosa, mas ao mesmo tempo a gente não pode excluir o fato de que a gente vive na sociedade em que a gente vive onde tem todas essas amarras. Por um tempo foi problemático ser aceito, desvincular minha personalidade do que eu quero dizer. Não tem como desvincular, mas tem como entender que o meu trabalho não sou eu. Ele tem de mim e do mundo inteiro, mas não sou eu. Tem todas as questões do meio universitário, que é onde eu vivo. Problematizações com o corpo do homem, da mulher, do homem cis, mulher cis, homem trans, mulher trans... Eu não posso ignorar essas questões fazendo o trabalho que eu faço, por isso acho importante não me separar das pessoas que discordam de mim. No meu circulo de amizades tem pessoas que não gostam do que eu faço, mas continuam andando comigo, só não seguem, curtem. Tem uns que curtem só algumas coisas... Ter essas pessoas que discordam é bom. São artistas também que entendem o processo e essas pessoas constroem muito comigo. Essa discordância é saudável, só não é quando ataca o outro. Eu fiz um desenho que mudou a forma das pessoas se relacionarem comigo. É um desenho erótico, uma cena de sexo e a partir dali uns amigos começaram a me tratar de uma forma que nunca tinham me tratado antes e eu fiquei muito orgulhoso porque fiz de cabeça e quando mostrei pras pessoas todo mundo curtiu. É estranho, mas mudou. Esse é o conflito que eu tenho: as pessoas do meu círculo que não gostam do meu desenho.

OU!: Tem alguma história bizarra ou interessante de encomenda pra falar?

P: Encomendas pra mim não são um problema. Faço do jeito mais rápido e entrego porque não é minha criação, é a ideia do outro, não é o que eu gosto de fazer, mas é o que dá dinheiro. Tem duas histórias com as raspadinhas: numa eu vendi pra um grupo de taxistas e um não gostou e queria o dinheiro de volta e outra vez o cara queria me bater. Ele também era artista e queria uma, mas tava sem dinheiro então tocou uma música pra mim e eu dei uma raspadinha pra ele. Saiu um pênis e ele não gostou. Me chamou de caloteiro, queria me acertar com o vilão... Nem assustado eu fiquei, só ri.

OU!: Já vendeu em outras cidades que não Uberlândia?

P: Belo Horizonte, Uberaba e Paraty.

OU!: Apesar de ser uma cidade grande, Udi se parece muito com o interior. Você vê diferença na venda em outras cidades?

P: Uberlândia tem um pensamento muito coronelista, mas tudo bem. Não vejo muita diferença na hora da venda, mas na recepção do trampo sim. Paraty tem muito artista de rua, então as pessoas já estão acostumadas e sabem lidar, agora aqui você precisa se apresentar. Eu sempre apresento como se eu tivesse saído de casa pra ir naquele lugar oferecer praquela pessoa, então já entendem que eu não to passando necessidade ou pedindo ajuda, é o meu trabalho. A partir daí comecei a vender mais.

OU!: Você não assina?

P: Não, não gosto. Não vejo onde assinar. Vai ficar feio.

OU!: As pessoas acabam conhecendo mais pela imagem?

P: É, meu trabalho tem uma característica: caneta BIC, lápis de cor, nanquim e canetinha. Material escolar no geral.

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