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olhar das ruas: uberlândia na ótica de quem vive dela

Artistas compartilham suas vivências e visões sobre as ruas de Uberlândia

Pauta, realização e edição: Edivaldo Junior, Julia Barduco, Ju Kopp, Karol Cardoso e Lucas Raniel

Unidos com bagagens e expectativas diversas, cinco estudantes de Jornalismo, após um processo de flaneurismo, optaram por contatar artistas urbanos e descobrir suas trajetórias. A fotorreportagem a seguir é resultado da impressão da nossa experiência de imersão na cultura artística, a partir da perspectiva dos personagens entrevistados. Uberlandenses e uberlandinos, juntos, colorem as ruas de Uberlândia.

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O olhar das águias.                                                                                                                                                                             Foto por Ju Kopp

Cidade do interior de Minas Gerais, uma vez nomeada São Pedro de Uberabinha, também conhecida como Udi, Capital da Logística ou Portal do Cerrado, Uberlândia é palco de inúmeras representações artísticas dos mais variados gêneros. O centenário município abriga duas grandes redes de cinema, dois teatros públicos e várias casas de shows, contudo, sofre de um mal que parece ser uma sina da maioria das cidades brasileiras: a não valorização da arte de rua e de seus profissionais.

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Artista por amor, Rafael de Oliveira foi apresentado ao trabalho manual por outro artesão que lhe dissera que, a partir daquele dia, ele deixaria de passar fome. Não fome de alimentos, mas do conhecimento e da sabedoria que a vida nas ruas e em contato com outros seres dá. Assim como as pedras energizadas com o sol transmutam, a energia dele também, permitindo que o aprendizado e evolução sejam constantes. "Eu aprendi tudo na rua. Antes era muito arrogante, ainda sou um pouco, mas eu tô trabalhando com isso, com o tempo. Adoro conversar com as pessoas também" nos relatou.

     Reluzindo o sol, as energias se renovam perante o asfalto, maré de boas vibrações.                                                                                                                               Foto por Edivaldo Junior

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       "A cidade ainda é muito carente de arte."  Rafael de Oliveira                                                                                                                                                                  Foto por Edivaldo Junior

Aos 33 anos, depois de já ter participado do movimento punk, Rafael, hoje pai e esposo, concilia seu papel na família com  a venda de seus colares e a escrita de manifestos e poesias. Poético, ele acredita que com seus mais de 4.000 km², Uberlândia carece de fé nos elementos da natureza e no potencial deles. Em frente ao Center Shopping, Rafael afirma que gostaria que as pessoas deixassem mais que apenas dinheiro com ele. Malekita - seu heterônimo - anseia por histórias, segredos e contos.

Entrevistamos, também, outro grande artista. Aluno de Artes Visuais da UFU, Piruá entrou em contato com a arte em casa e na escola.

"O que rolava era: em casa eu desenhava, na escola eu desenhava... Em todo lugar eu desenhava. Ela, minha mãe, percebeu isso e nunca colocou nenhuma barreira. Quando foi a época de vestibular eu falei pra ela que iria fazer Artes e ela já até imaginava. Foi tranquilo, me incentivou."

Ciente de seus privilégios, o artista vê a rua como sinônimo de enfrentamento. Com uma temática não convencional, o erotismo presente em seus traços transgride as normas de conduta sociais, o que já lhe colocou em todo tipo de situação, inclusive em cômicas e inusitadas.

Atuando politicamente, 

produzindo arte e se relacionando com as pessoas por meio dela, seu trabalho, que é seu sustento, percorre não só as ruas do Triângulo Mineiro como também ultrapassa fronteiras e chega às telas da América do Norte e Oriente Médio.

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Piruá: o milho da pipoca que não estoura e resiste na panela.
                                                                                                                Foto por Juliana Kopp

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"No terceiro dia, disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar, e apareça a porção seca; e assim foi. "
                                                                                                                     Foto por Juliana Kopp

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Orgulhoso, o artista mostra seu desenho e o que há na obra que nem todos conseguem ver.                                                                                                                                                                                                                                                                                  Foto por Juliana Kopp

Com estudo e prática, ele aperfeiçoa seus trabalhos. Ao observar pessoas em locais públicos e modelos vivos durante sua graduação, os detalhes anatômicos foram percebidos pouco a pouco e implementados nas obras. "A questão do corpo, pra mim, é uma parte extremamente importante porque a minha arte dialoga muito com o corpo. Fui aprendendo quando comecei a desenhar pessoas posando, seja em rodoviária, lanchonete, filas... ou como modelo vivo mesmo. E o curso de Artes oferece também os modelos. Por um tempo eu até fui um dos modelos vivos."

Mas nem só de técnica vive a arte. Resultado de um acidente com uma xícara de café, a pintura ao lado ganhou cores que não estavam previstas na paleta. Acidentes se transformam em novas obras nas mãos de Piruá, que encara a arte como uma forma de permitir que as pessoas se relacionem mostrando suas perspectivas de mundo. 

"Existem maneiras violentas e evasivas de as pessoas se relacionarem com o mundo. Mas a arte vem como uma forma leve. Leve a respeito da conexão com o outro, mas ela também tem o peso dos olhares das realidades."

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Apenas uma gota de café. 
                                                                                                                  Foto por Juliana Kopp

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O preparo: do branco ao cenário completo. 
                                                                                                                  Foto por Juliana Kopp

Quem também preza pela família é Willian Dias, que fala com amor sobre a comida da mãe, uma vez que passa horas sem comer quando está no trabalho. Na Praça Tubal Vilela, no centro da cidade, o artista transforma o azulejo branco em quadro decorativo. Além das tintas à óleo e dos azulejos, carrega também um carrinho, um pano, moedas e cédulas antigas, que ele também vende.

Tendo a rua como oficina de trabalho, Willian sabe que a praça é o caminho de todos e acredita que tem que estar lá, onde o povo está. 

Foi num momento como o nosso, de flâneur, que Willian descobriu um artista com o mesmo ofício, que passou a lhe ensinar e, dois meses depois, o ex-marceneiro tinha uma nova profissão que, segundo ele, o alegra muito mais.

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Pontes atravessam de um extremo ao outro, assim, o artista transforma seu imaginário fértil em um quadro real.                                                       
                                                                                                                Foto por Edivaldo Junior

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A tinta no potinho que se torna uma paisagem com Willian. 
                                                                                                               Foto por Edivaldo Junior

Nascido em Goiás, o dom vem de berço e o aprendizado, apesar do curso, é adquirido na rua.

Trabalhando com isso há cinco anos, as mãos encontram a tinta e fazem a mágica acontecer.

"Na verdade, a verdadeira faculdade não tá em quatro paredes, tá aqui na rua. Assim eu acredito que seja. Eu fiz curso, mas aprendi muito pouco e é por isso que eu falo que tinha o dom e não sabia."

Infelizmente, nem tudo são flores e às vezes seu trabalho precisa ser desvalorizado para que ele possa realizar uma venda.

"É um pouco complicado porque às vezes, pra eu poder sobreviver, vou ter que dar meu trabalho quase de graça. Dão valor na arte quando é barato. Acho que também por recurso, né? Hoje em dia tá muito difícil. Às vezes a pessoa tem cinquenta reais no bolso, mas precisa comer, aí sobra cinco."

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Nas mãos do presente, o retrato do passado.
                                                                                                           Foto por Edivaldo Junior

Willian, ao finalizar sua cerâmica, com orgulho conta como tornou-se um artista sustentável. Na foto segurada por ele, o artista aparece no meio, recebendo o prêmio que o dá a especialização em seu ofício. 

Outro artista que nos chamou atenção, foi o bem humorado Fernando. Ele nos deu um presente que combinou com nossos projetos: uma lembrancinha pra gente ter sempre aquele encontro com ele na memória, ao mesmo tempo que, por ser uma câmera, registra momentos, o que mais gostamos de fazer. 

Fernando veio da Argentina, viajou o mundo e já tentou a carreira como músico. Hoje, vende seus "aramados", como chama sua arte, na Praça Tubal Vilela e se sente em casa em Uberlândia.

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Um objeto que registra momentos. 
                                                                                                         Foto por Edivaldo Junior

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Ao lado do coração, grave o nome na partezinha da plantação.
                                                                                                                 Foto por Julia Barduco

Fernando grava nomes em arroz, também, e nos contou que aprendeu a fazer isso quando vendia arte na praia. 

Quando perguntamos para ele qual era a diferença entre vender arte em Uberlândia e em outros lugares, nos respondeu:

"Eu já trabalho aqui há dezesseis anos, já sou conhecido, inclusive tenho  a minha página no facebook, a 'Aramado Art'. Já quando vou numa cidade que nunca fui com meu trabalho é bom. As pessoas admiram, compram. É novo. Entendeu? Acho interessante isso."

É possível ver a música refletida nos aramados do artista. Outras inspirações podem vir de animais, nomes próprios e, basicamente, qualquer coisa que o cliente pedir.

Perguntamos se trabalharia com qualquer outra coisa e ele nos respondeu, pontual:

"Não me vejo trabalhando com nada que não arte. Se eu não trabalhasse como artesão, trabalharia com música e se não com música, seria com comida. Eu gosto de cozinha, sou muito bom."

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    Entre músicas e insetos. 
                                                                                                         Foto por Edivaldo Junior            

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As calçadas que levam à arte. 
                                                                                                           Foto por Edivaldo Junior

Pelas ruas de Uberlândia, esses artistas agregam seus traços e a sua identidade à paisagem urbana por meio do artesanato, da poesia e dos manifestos. As ruas se tornaram suas faculdades, seus locais de trabalho e sua fonte de renda. O empreendimento, para esses artistas, é mais que puro negócio, é alma, coração e tempo. 
Alimentam-se do que a arte tem de essencial: a inspiração. Inspiração essa proveniente dessa escola que não tem fim, nunca dorme e está em constante mutação. Surgem de suas mãos, mentes e vozes novos olhares e formas para uma cidade que abriga, acolhe e dá lar a seus maiores devaneios.
As ruas de Uberlândia são poços de crônicas e contos e aqueles que vivem delas se tornam contadores e personagens dessa vasta história.

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