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FERNANDo marcelo gonzalez

Pauta e Realização: Edivaldo Junior, Julia Barduco, Juliana Kopp, Karol Cardoso e Lucas Raniel

Edição: Julia Barduco

OU!: Como você veio parar em Uberlândia?

Fernando: Como? Ah, na época eu gostava muito de viajar, era hippie e ali eu comecei a viajar, fui pra Chile, Paraguai, Uruguai... Até que um dia eu conheci uma moça na internet e ela pediu que eu fosse até a cidade dela para conhece-la, eu falei “ah, vou, já estou aqui mesmo”. Vim e casei. Essa é a minha história.

Como foi para aprender a falar português? Foi complicado?

F: Ah, mais ou menos, a princípio tive um pouco de dificuldade. O problema do brasileiro é que gostam de tirar onda com cara de gringo. Entendeu? Me faziam falar muita besteira. Eu perguntava alguma coisa e eles falavam algo bem diferente. Por exemplo, queria saber como falava a palavra “licença” e as pessoas me mandavam dizer “dispensa”. Eu dizia dispensa o tempo todo até que me perguntaram porque eu falava dispensa toda hora, disse que era porque queria passar e riram, depois me ensinaram direito. Falaram que dispensa é quando se está trabalhando e tal.

OU!: A gente tem perguntado para os artistas o que a rua significa para eles. O que significa para você?

F: É uma fonte de renda, né. Uma forma de expor meu trabalho, minha arte. Mas, ultimamente, é mais uma renda mesmo.

OU!: Mas a rua para você trouxe um aprendizado? Trouxe o quê? Qual sua visão?

F: A rua é como uma bíblia, você tem várias interpretações. Você aprende o que vai aplicar. Aprende coisas boas, como aprende coisas más. É bom, fiz muitas amizades. As pessoas que trabalham na rua são pessoas que tem necessidades, precisam trabalhar. É muito humana, a rua. Mas também existe muita criminalidade.

OU!: Você consegue viver só com esse seu trabalho aqui?

F: Já foi melhor. Hoje em dia, acho que porque as pessoas não têm o poder aquisitivo de antigamente, tá mais difícil. Até porque a arte não é a primeira necessidade, você compra para expor na sua casa, dar um presente. Como o poder aquisitivo está “a menos”, as pessoas compram menos arte.

OU!: Aqui você tem licença para trabalhar? 

F: Não, sou só infiltrado. (risos) A prefeitura não libera alvará para trabalhar. Apesar de que existe uma constituição, uma lei federal de 2018, que fala que eu posso expor o meu trabalho em qualquer lugar. Mas também existe uma lei orgânica, é municipal e supostamente está acima da federal, que diz que eu não posso expor. Se a fiscalização vir aqui eu perco todos os meus trabalhos. Independente se eu tenho ou não carteira de artesão, no caso eu tenho.

OU!: Você já perdeu alguma vez seus trabalhos? E qual foi sua reação?

F: Já, muitas vezes. A minha reação é de impotência, né. Se existisse alguém dizendo que você não pode trabalhar, como você se sentiria? Se você tenta argumentar, eles não querem saber. Se você fica nervoso, você desacata a autoridade e vai preso. Sendo que você só está expondo algo, cultura. Isso aqui é cultura. É arte.

OU!: Como você aprendeu a fazer isso?

F: Na verdade, sempre fui meio artista, sou músico de profissão. Comecei a trabalhar com música e então conheci um chileno que me disse que eu tinha que viajar, que era bom, então fui pro Chile. Mas quando vim para Brasil, com a música em espanhol não deu muito certo. Ai, passou a faltar dinheiro. Foi quando conheci uns hippies na rua, estrangeiros também e me passaram as primeiras “manhas”, as primeiras artes, depois fui me aperfeiçoando. A rua tem vários “maestros”, é o que eu falo, a rua te ensina muitas coisas, para o bem ou para o mal. Como aprendi coisas boas, aprendi também coisas ruins, não sou santo, mas como não tenho inclinações erradas e sim pela arte, segui um bom caminho.

OU!: Você se vê fazendo algo que não seja arte?

F: Não. Primeiro que nunca trabalhei para ninguém, acho que para eu começar a trabalhar assim seria muito difícil, principalmente na minha idade. Se eu não trabalhasse com artesão, trabalharia com música e se não com música, seria com comida. Eu gosto de cozinha, sou muito bom.

OU!: Como foi a primeira vez que você foi as ruas para vender seu trabalho?

F: “Aterrador”! Fazem muitos anos já. Comecei a trabalhar, assim, na rua, eu tinha doze anos. Era vendedor, vendia guloseimas. Foi muito assustador, estava nervoso. Para uma pessoa trabalhar na rua tem que romper certos critérios. Não sei. As vezes sentem um pouco de vergonha por estar falando com o público, com pessoas. Para alguém que não tem desenvolvimento, a princípio, dá um pouco de trabalho pela timidez, pela insegurança. Depois de algum tempo você já se solta, já faz piada.

OU!: Você sente diferença vendendo arte aqui e vendendo arte em outros lugares?

F: Quando eu vou em algum lugar aqui em Uberlândia, não. Eu já trabalho aqui há dezesseis anos, já sou conhecido, tenho página (online). Mas quando vou numa cidade que nunca fui com meu trabalho é bom. As pessoas admiram, compram. Entendeu? Acho interessante isso.

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